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24 de Abril de 2024
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    Abuso do controle administrativo de decisões judiciais pelo Conselho da Justiça Federal

    Desembargador Federal TRF/1ª Região, mestre e doutor em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), professor decano do Curso de Direito da Universidade Católica de Brasília (UCB).

    Com a redação da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, o Conselho da Justiça Federal, que funciona junto ao Superior Tribunal de Justiça, tem competência para exercer, na forma da lei, a supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, como órgão central do sistema e com poderes correicionais, cujas decisões terão caráter vinculante (CF, art. 105, parágrafo único, inciso II).

    A Lei nº 11.798, de 29 de outubro de 2008, cumprindo a determinação constitucional, dispõe sobre a composição e a competência do Conselho da Justiça Federal, no sentido de atribuir-lhe, tão somente, a supervisão orçamentária e administrativa da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, como órgão central do sistema (art. 5º, incisos I a XII), com poder correicional, tendo as suas decisões caráter vinculante, no âmbito da Justiça Federal de primeiro e segundo graus (art. 5º, parágrafo único).

    Na atenta observação de Uadi Lammêgo Bulos, as funções do Conselho da Justiça Federal mantêm significativa correspondência com aquelas desempenhadas pelos Conselhos Superiores da Magistratura de Portugal (Constituição da República Portuguesa, arts. 219º e 220º). Tais Conselhos não logram, portanto, competência para interferir na independência interna da magistratura. Não lhes cabe obstacularizar, por via direta ou oblíqua, o livre exercício das atividades funcionais e institucionais da judicatura, sob pena de desvirtuar o seu desiderato constitucional (in Curso de Direito Constitucional Uadi Lammêgo Bulos Editora Saraiva 5ª edição 2010, p. 1330).

    Nessa exegese constitucional, tudo que a Suprema Corte já proclamou sobre a natureza jurídica e a competência exclusivamente administrativa do Conselho Nacional de Justiça e do Tribunal de Contas da União aplica-se em plenitude ao Conselho da Justiça Federal, nos tópicos seguintes: As decisões dos magistrados no âmbito do processo não são passíveis de revisão pelo CNJ, cuja competência, como bem ressaltaram os requerentes, cinge-se à esfera administrativa, envolvendo também a fiscalização da atuação funcional do Juiz.

    Nesse sentido foi a fundamentação da decisão do juiz auxiliar da Presidência, atuando com fundamento na Portaria 23, emitida pela ministra presidente do CNJ: Com efeito, a competência fixada para este Conselho é restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, pelo que não pode intervir em conteúdo de decisão judicial, seja para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, seja para inibir o exercício regular dos órgãos investidos de jurisdição. Para reverter eventuais provimentos que considera incorretos, ilegais ou desfavoráveis aos seus interesses, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados. (...)

    Não se desconhece que o Conselho Nacional de Justiça embora incluído na estrutura constitucional do Poder Judiciário qualifica-se como órgão de caráter eminentemente administrativo, não dispondo de atribuições institucionais que lhe permitam exercer fiscalização da atividade jurisdicional dos magistrados e tribunais.

    Esse entendimento que põe em destaque o perfil estritamente administrativo do Conselho Nacional de Justiça e que não lhe reconhece competência constitucional para intervir, legitimamente, em matéria de índole jurisdicional (Sérgio Bermudes, A Reforma do Judiciário pela Emenda Constitucional nº 45 , p. 19/20, item n. 2, 2005, Forense) foi bem sintetizado na lição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional, p. 302, item n. 2, 2006, RT): Conselho Nacional de Justiça. Natureza Jurídica. O CNJ é órgão do Poder Judiciário (...), mas sem jurisdição, vale dizer, é órgão judicial, mas não jurisdicional. Órgão administrativo de controle externo do Poder Judiciário e da atividade da magistratura (...), o CNJ não tem função jurisdicional, cabendo-lhe fiscalizar a gestão financeira e administrativa do Poder Judiciário e o cumprimento do dever funcional dos juízes (...). Ao CNJ não cabe controlar a função jurisdicional do Poder Judiciário e de seus membros, razão por que não pode rever nem modificar decisão judicial, isto é, não tem competência recursal. (...)

    Mostra-se importante destacar, em face da absoluta pertinência que guarda com o caso em exame, fragmento do voto que o eminente Ministro Eros Grau proferiu no já referido julgamento da ADI 3.367/DF : De resto e este ponto é de fundamental importância ao Conselho Nacional de Justiça não é atribuída competência nenhuma que permita a sua interferência na independência funcional do magistrado. Cabe a ele, exclusivamente, o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, no modelo brasileiro de harmonia e equilíbrio entre os poderes, não conformará nem informará nem mesmo afetará o dever-poder de decidir conforme a Constituição e as leis que vincula os membros da magistratura. O controle que exercerá está adstrito ao plano da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. Embora órgão integrante do Poder Judiciário razão pela qual desempenha autêntico controle interno não exerce função jurisdicional. (Mandado de segurança 27.148 Distrito Federal. STF. Relator Min. Celso de Melo. Decisao de 20/05/2010).

    Neste visor exegético é que o legislador constituinte estabeleceu, na Carta Política Federal de 1988, o monopólio judiciário do controle jurisdicional, com a determinação de que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (CF, art. , XXXV), abolindo, assim, o contencioso administrativo, que estava previsto na Constituição revogada, a preservar o princípio sensível da harmonia e independência dos Poderes da República Federativa do Brasil (CF, art. ).

    Juízes e tribunais, integrantes do Poder Judiciário, são chamados, assim, constitucionalmente, a compor os conflitos de interesses, com observância do devido processo legal, assegurando-se o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos que lhe são inerentes, devendo realizar a solução das lides, em tempo razoável, com a garantia fundamental da segurança jurídica, resultante da coisa julgada material (CF, art. , LIV, LV, LXXVIII e XXXVI), para a tutela definitiva dos direitos judicialmente proclamados.

    Neste sistema de garantias constitucionais, expressamente estabelecidas, não há como admitir-se o abusivo controle administrativo de decisões judiciais pelo Conselho da Justiça Federal, visando rever e rescindir acórdãos do Superior Tribunal de Justiça, já transitados em julgado, nos autos do RMS 15.294/DF e da Reclamação nº 2.052-DF , que garantiram, definitivamente, o direito à incorporação de vantagem pecuniária dos quin (2005/0199253-5) tos a magistrados federais, nos termos da legislação ordinária, observado o teto remuneratório correspondente ao subsídio de ministro do Supremo Tribunal Federal, sem que houvesse, oportunamente, no prazo legal, o ajuizamento de ação rescisória das referidas decisões judiciais.

    O egrégio Conselho da Justiça Federal, criado pela Constituição da República, como órgão meramente administrativo, para exercer, na forma da lei, a supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, com poderes correicionais para tanto, não dispõe de competência nem de atribuições institucionais, que lhe permitam exercer a fiscalização da atividade jurisdicional dos magistrados e tribunais federais, revendo e rescindindo decisões judiciais, até mesmo com trânsito em julgado, a subverter gravemente a ordem jurídica, constitucionalmente estabelecida, em violento atentado ao Estado Democrático de Direito.

    Neste sentido, prestigiando a garantia fundamental da coisa julgada e da segurança jurídica que dela resulta, o Supremo Tribunal Federal, reiteradamente, vem decidindo, na inteligência de que o egrégio Tribunal de Constas da União não dispõe, constitucionalmente, de poder para rever decisão judicial transitada em julgado (RTJ 193/556-587, Relo. Min. CARLOS VELLOSO), nem para determinar a suspensão de benefícios garantidos por sentença impregnada da autoridade da coisa julgada (AI 471-430 AgR/DF, Rel. Min. Eros Grau), ainda que o direito reconhecido pelo Poder Judiciário não tenha o beneplácito da jurisprudência prevalecente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, pois a res judicata em matéria civil só pode ser legitimamente desconstituída mediante ação rescisória (MS 27.506 DF. Rel. Min. Celso de Mello. STF. Decisao de 07/04/2010).

    Diante da constatação desse abusivo controle administrativo de decisões judiciais pelo Conselho da Justiça Federal, deve o Conselho Nacional de Justiça, adotar, até mesmo de ofício, urgentes providências para rever e desconstituir esses atos abusivos, atentatórios às garantias fundamentais do Estado Democrático de Direito (CF, art. 103-B, § 4º, II), a não se permitir o retorno, neste país, do arbitrário e odioso estado de exceção. Antonio Souza Prudente

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